“A necessidade é a mãe da invenção”.
A frase atribuída a Platão resume bem o que o mundo está vivendo desde que a Covid-19 chegou para colocar nossas vidas de cabeça para baixo com um ingrediente adicional – o inesperado.
Parece inconcebível que a humanidade, em pleno século XXI e depois de ter atravessado diversas pandemias, tenha sido surpreendida por um vírus que, da noite para o dia, nos obrigou a catalisar nossa capacidade única entre as espécies de criar, recriar e reinventar quantas vezes for necessário.
Foi justamente por não termos nos preparado para a crise que, querendo ou não, ativamos nossas habilidades de inventores, inovadores e transformadores.
O tamanho do estrago na economia mundial é imensurável. O PIB global, prevê a OCDE, pode cair 7,6% este ano se tivermos uma segunda onda de infecções. É difícil olhar a metade cheia do copo, mas é inegável que a crise trouxe lições que seguirão como um legado destes tempos difíceis.
A primeira e principal delas é que nada é para sempre. Inclusive, graças a Deus, a própria pandemia.
Como estamos nessa há mais de 4 meses, já é possível notar quantas transformações fomos obrigados a fazer para manter nossos negócios imunes, ou ao menos em condições de sobreviver, por causa do maldito coronavírus.
Não há como não maldizer um vírus que está causando tanto sofrimento e já ceifou mais de meio milhão de vidas, mas no mundo corporativo é perceptível que a Covid-19 deixará muitas heranças positivas.
Não, não estou deixando de enxergar a metade vazia do copo, para seguir com a analogia. É absolutamente lamentável o extermínio de empresas e de empregos em todo o mundo. De acordo com o IBGE, mais de 522 mil empresas fecharam no Brasil somente na primeira quinzena de junho. É de cortar o coração assistir todos os dias os índices de óbitos e novos infectados. Nada irá reparar estas perdas de amigos e entes queridos.
Meu ponto aqui é sobre os aprendizados que os empreendedores já incorporaram e irão adotar para sempre na gestão e governança de suas empresas. No que tange à administração de negócios trago uma indagação (ou várias).
O que estamos começando a viver é mesmo um “novo normal” ou é um normal que já deveríamos praticar há muito tempo e só não o fazíamos por dogmas seculares de um estilo de gestão esculpido lá atrás na revolução industrial?
E aí digo sem medo que as startups de ponta são as que reúnem as melhores condições de não só se adaptar, mas de liderar nosso ingresso no “velho novo normal”.
Afinal, são elas que, desde o início dos anos 2000, fundamentaram novas metodologias e filosofias de gestão. As startups são mais ágeis, resilientes, flexíveis, criativas, conectadas e focadas em métricas e resultados. Para elas, o “novo normal” não parece tão novo assim. É um "velho novo". Já para grandes organizações a jornada para esta nova civilização pode ser mais tortuosa.
A rápida adoção do home office e a possibilidade de contratar talentos de qualquer lugar do mundo; as videoconferências no lugar das reuniões intermináveis com muita conversa jogada fora; o fim das horas desperdiçadas no trânsito; o aceite de transações e contratos digitais no lugar de milhares de rubricas, carimbos e filas nos cartórios; o uso mais intenso da computação em nuvem e de softwares como serviço.
A lista de novos modelos de trabalho e negócios com o suporte das ferramentas digitais é extenso. Só não dá para entender: por que só agora?
Por que não antes da pandemia?
Por que antes “de jeito nenhum” e agora “não tem outro jeito”?
Por que não contratar os melhores profissionais de qualquer lugar do mundo?
Por que não simplificar processos e digitalizar a burocracia?
Por que não usar mais a nuvem em vez de investir milhões em infraestrutura física?
Por que não tornar tudo mais ágil e definir processos que potencializem a produtividade?
Em nosso ecossistema de startups vimos um grande número de empresas que já estavam bem preparadas para o trabalho remoto, especialmente as que tinham uma cultura forte, ritos bem disciplinados e metodologia ágil.
Quando a pandemia nos forçou ao isolamento, a aceleração da gestão remota foi um caminho natural para muitas startups, mas há setores que dependem de operações físicas e tiveram que ir além para garantir a segurança de quem estava na ponta.
Com a entrada de vários novos lojistas nos canais digitais e o aumento da demanda de pedidos, as startups que atuam no ecommerce precisaram rapidamente adotar protocolos sanitários para não comprometer as entregas, como encontrar alternativas de transporte para os colaboradores por meio de aplicativos e até mesmo incentivando o uso de bicicletas compartilhadas.
Assim como o varejo, muitos outros setores que ainda não tinham se virtualizado tiveram que se aliar com as startups de tecnologia para anabolizar a transformação digital e não baixar as portas.
Academias foram para as plataformas digitais; os supermercados e restaurantes para os aplicativos de delivery; o pequeno comércio aderiu ao WhatsApp como canal de venda; os médicos e terapeutas passaram a fazer consultas online; as escolas levaram as aulas para as salas virtuais; casamentos e aniversários foram celebrados pela Internet; clientes dos bancos que nunca tinham feito uma TED pelo celular provavelmente nunca mais voltarão a visitar uma agência física.
Um levantamento do Ibre/FGV concluiu que 90% das empresas brasileiras realizaram alguma mudança no modo de operação e 56% afirmaram que irão incorporar parcialmente ou totalmente o que foi implementado no período de pandemia. E outros 18% ainda desenvolveram novos produtos ou serviços.
Muita empresa se virou, pivotou, criou, inventou, inovou, deu seu jeito para se manter no jogo. E agora é vida que segue. Ou você acha que tudo isso vai voltar a ser como antes depois que dermos adeus ao maldito?
Não tenha dúvida. São organizações com um time engajado no mesmo propósito, disciplinado, focado em performance e rápido para tomar decisões, as que conseguem não só navegar melhor, mas tirar proveito da crise. São empresas que estão na vanguarda da gestão.
São assim as startups. Invista nelas. Feche alianças e parcerias. Participe do ecossistema. Elas serão seu passaporte para o "velho novo normal".
Este artigo foi originalmente publicado na HSM
(*) Romero Rodrigues é sócio da Redpoint eventures e co-fundador do Buscapé